“Bordeaux é uma bebida para rapazes e o Vinho do Porto para homens” - Samuel Johson (literato inglês, século XVIII)
Há muitos anos escrevi que as duas mais belas regiões vinícolas do mundo são a Toscana e o Douro. Afora a indelicadeza aí contida (admito) com as demais regiões do mundo de Baco, cada uma com sua particular beleza, dentre as duas regiões citadas minha balança pende cada vez mais para o Douro, não apenas pelo cenário deslumbrante, mas pelos vinhos. Enquanto a Toscana se internacionaliza, ainda com inúmeros grandes vinhos, mas já com um incomodo contingente de "genéricos" de castas estrangeiras, o Douro mantém-se Douro. Seus vinhos são a pura expressão daquela paisagem dramática.
Em visitas às caves de Vila Nova de Gaia, pude provar uma fantástica coleção de Portos raros (remontando a 1935!), das casas do grupo Sogevinus (Kopke, Cálem, Burmester e Barros), é líder mundial na categoria Colheita.
A Kopke é nada menos que o mais antigo produtor de Vinho do Porto, fundada em 1638. Basta uma visita à suas caves para comprovar que a antiguidade da empresa está plenamente representada em seu estoque. A Kopke é top e insuperável nos Colheitas antigos. Lá vi uma salivante coleção de barricas recheadas de safras anciãs. Quando em visita a uma vinícola me oferecem visitar a seção de engarrafamento e rotulagem costumo dar um suspiro de tédio, pois é mais do mesmo. Na Kopke não. Os Colheitas antigos, como o 1940 que provei, ficam em barrica por décadas e só são engarrafados em pequenas quantidades, quando o mercado demanda. Ou seja, mais artesanal impossível. As garrafas são cheias, uma a uma, os rótulos pintados e a cápsula vedada com cera, tudo feito à mão.
A Burmester foi fundada com o nome de Burmester & Nash em Londres em 1730, para atuar no ramo de cereais. A origem do fundador é alemã, nome Burmester deriva da palavra germânicabürgermeister (prefeito). As caves da Burmester em Vila Nova de Gaia refletem um pouco o estilo de seus vinhos: modernidade, elegância e sofisticação.
Fundada em 1859 a Cálem é mais conhecida por seus Tawnies correntes, e a marca é líder em vendas no mercado português. A liderança da Cálem também se estende ao enoturismo. Suas caves em Gaia são visitadas por mais de 200 mil turistas ao ano. Pude comprovar os ônibus que não paravam de chegar. O estilo dos vinhos topo de gama da Cálem é de força e longevidade, com muita cor, taninos e acidez. Não abra um Cálem Colheita com menos de 10 anos, nem um Vintage com menos de 20 anos (se possível espere até seus 30 anos).
Safras antigas - patrimônio à parte
Declarado Patromónio Mundial da Humanidade pela Unesco, o Douro guarda um outro patrimônio, o Vinho do Porto. Uma das qualidades que torna este um dos maiores vinhos do mundo é sua longevidade. Os melhores Portos vivem mais de século. E o melhor, isso pode de fato ser comprovado, pois há safras antigas ainda disponíveis. Nenhum outro país/região proporciona tanta massa crítica em vinhos mais velhos ainda bons para consumo. É possivel comprar qualquer safra que se queira do século XX ou mesmo anteriores. Isso com o devido orçamento, diga-se de passagem, mas também diga-se que esta "garimpagem" sai mais em conta em Porto que em Bordeaux ou Borgonha, por exemplo.
O "Colheita"
Existem diversos tipos de vinho do Porto. Dentre estes os que melhor representam a citada capacidade de guarda são o Colheita e o Vintage (sobre os Vintage leiam mais adiante no Caderno de Provas).
Os “Colheita” permanecem um mínimo de 7 anos em cascos, mas na prática ficam muito mais. É possível encontrar no mercado Colheitas antigos, da década de 40, por exemplo (como provado nesta edição), que permaneceram cerca de 60 anos em madeira e chegaram só agora às prateleiras. Normalmente ficam em cascos e são engarrafados à medida que o mercado demanda. Trazem a data de engarrafamento no contra-rótulo ou rótulo. Podem ser tintos ou brancos, embora os brancos sejam raros.
Os Colheitas são uma das categorias mais nobres do Porto, mas por vezes ficam à sombra dos Vintages, o que é uma injustiça, já que seu custo de produção é mais elevado, o processo mais trabalhoso e um bom Colheita não deve nada em qualidade ao Vintage.
Num Colheita tudo é trasfegado, o conteúdo das barricas de uma mesma safra é misturado em um recipiente maior, enquanto as barricas são lavadas (depois voltam às barricas). Além disso por envelhecer em barricas e não em garrafa, e assim estar em contato com o oxigênio, o vinho perde cerca de 0,2% de seu álcool ao ano. Este teor alcoólico precisa ser corrigido. Ou seja, todos os anos, no momento da trasfega, uma quantidade mínima de aguardente é adicionada ao vinho. Este processo é lento e delicado, feito "a conta gotas", senão os aromas e a cor do vinho podem ser comprometidos. Imagimem que para um Colheita 1935 todo este processo já foi repetido quase 80 vezes!
Uma vantagem do Colheita em relação ao Vintage é que depois de aberto poderá ser consumido ao longo de alguns meses.
Colheita Branco, a mais antiga novidade do mercado
Uvas brancas sempre foram utilizadas no vinho do Porto. Era comum no passado misturar tintos e brancos para produzir vinhos mais claros e aromáticos. Muitas casas de Vinho do Porto têm e sempre tiveram em estoques algumas barricas de Porto Branco, mas ao mercado só chegavam os Portos Brancos jovens e leves, normalmente usados para coquetéis. O motivo pelo qual não existiam Portos Brancos antigos no mercado era a falta de legislação. Até 2006 não era permitido um rótulo de Porto Branco ostentar indicação de idade. Os primeiros Portos Brancos com denominação de idade (Tawny 10 anos, Tawny 20 anos, Tawny 30 anos, Tawny mais de 40 anos e os Colheitas com indicação de safra) só chegaram ao mercado a partir de 2010. A primeira a lançar esta novidade foi a Kopke, utilizando seu vasto estoque de vinhos antigos, tintos e brancos. Outros que já lançaram Portos Brancos velhos são a Burmester, Ferreira, Niepoort, Wiese&Krohn, Andersen, Cálem e Barros. As castas brancas utilizadas são as recomendadas na região: Gouveio, Malvasia Fina, Rabigato, Viosinho, Esgana Cão, Folgasão, Arinto, Boal, Cercial, Côdega, Malvasia Corada, Moscatel Galego, Donzelinho Branco e Samarrinho.
As provas
As provas foram feitas em companhia do enólogo chefe do grupo Sogevinius Carlos Alves, responsável pelos vinhos. Os vinhos da cada casa foram provados em separado, mas a seguir estão organizadas de forma diferente, primeiro dos Portos com safra, em ordem decrescente de idade, e por fim os Tawnies antigos sem safra.
Kopke Porto Colheita Branco 1935
Seco, menos álcool. Dourado, longe de estar âmbar, na cor poderia ser o late harvest de safra recente. Aroma de mel, resinas, casca de laranja, flores secas, especiarias, melaço, chá. Paladar quase seco, estruturado por acidez sólida, tem taninos, textura macia. Um gigante, impressionante um branco com esta perfeição de quase 80 anos de idade. Nota: 99 pontos
Kopke Porto Colheita 1937
Cor aloirada mais escura, com tons âmbar. Aromas de grande complexidade, com notas de melaço, açúcar marcavo, figos secos, amêndoas torradas, remédio, iodo, cola, fumaça, madeiras aromáticas. Paladar concentrado, doce, aveludado, mas com uma acidez firme, vincada, que refresca e dá contraponto perfeito aos aromas bastante evoluídos. Espetacular. Nota: 98 pontos
Kopke "375" Porto Colheita 1940
Esta é uma edição comemorativa dos 375 anos da empresa, celebrados em 2013, quando foram elaboradas apenas 375 garrafas deste vinho. Uma seleção foi feita e escolhida uma únca e melhor barrica da safra de1940, uma das melhores da história da empresa. O vinho desta barrica foi cuidadosamente trabalhado em madeiras mais novas (de 7 anos de idade) antes de ser engarrafado. Sua cor é âmbar brilhante, intensa, viva. Nos aromas é uma explosão, incrivelmente mais expressivo que o mesmo vinho (o Colheita 1940, testado a seguir), com muitas especiarias, notas de chocolate, amêndoas, resinas, frutas secas, café, caramelo. Paladar robusto, profundo, bastante redondo, muito frescor e equilíbrio extremo. Um vinho excepcional e muito expressivo. Fantástica a experiência de provar o "375" junto ao Colheita 1940, demonstrando como o trabalho do enólogo faz toda a diferença. Nota: 100 pontos
Kopke Porto Colheita 1940
Cor alaranjada entre clara e escura, mais fechada. Aroma menos expressivo que o "375" e que o 1957, com notas de caramelo, cola, frutas secas, madeiras, tostados. É no paladar que ele brilha, com acidez impressionante para um vinho de mais de 70 anos, taninos ainda presentes, compacto e robusto, explode em aromas quando aerado na boca, ele explode. Um gigante. Nota: 98 pontos
Kopke Porto Colheita 1957
Cor alaranjada entre clara e escura. Em termos aromáticos dá um salto de complexidade em relação à safra anterior da Kopke testada (1980), já com outro perfil aromárico, sem nenhuma fruta, com notas de evolução, cacau, caramelo, remédio, iodo, resinas, amêndoa, mel, agradável nota de "vinagrinho" que dá complexidade. Paladar já bastante doce, gordo, rico, elegante e muito equilibrado. Nota: 96 pontos
Cálem Porto Colheita 1961
Na cor parece mais novo do que é, tem tons de evolução âmbar, mas a cor é densa e muito escura para um Tawny desta idade. Aroma intenso e etéreo, com notas de caramelo, frutas secas, esperiarias, mel, resinas, remédio. Paladar pujante, com muita força, acidez ainda elevada, macio, meio doce, pleno de equilibrio, em seu auge, que manterá pelas próximas duas décadas. Nota: 94 pontos
Burmester Porto Colheita 1966
Cor acastanhada, entre clara e escura. Aroma não muito exuberante, contido mas complexo, com notas de avelãs, nozes, remédio, iodo. Paladar bastante encorpado, de grande estrutura, carregado no corpo e cor, ótima acidez e taninos vivos. Aos 48 anos não é tão encantador quando seu colega quase da mesma idade, o Tawny 40 anos da Burmester, mas é mais vinho, com grande potencial para evoluir. Nota: 96 pontos
Kopke Porto Colheita 1980
Mais jovial e concentrado que o 1984, mais escuro e fechado, mais etéreo, com notas de defumados, aroma mineral terroso. Paladar robusto, na boca aparecem notas ainda mais etéreas, boa estrutura de taninos e acidez. Grande vinho, que ainda deve crescer. Nota: 94 pontos
Kopke Porto Colheita 1984
Mesmo com 30 anos de idade ainda traz na cor alguns tons de ruby, mas já é quase totalmente alaranjado. Aroma de grande elegância, com notas de frutos secos, noz, amêndoa, especiarias doces, ligeiro toque medicinal que lhe dá complexidade, Paladar harmônico, doçura, taninos muito finos, álcool e acidez perfeitamente integrados, longo e delicioso. Nota: 93 pontos
Cálem Porto Vintage 1985
Provado de uma garrafa de 375ml, a meia garrafa, o que proporciona uma evolução muito mais rápida. Granada muito escuro, opaco, com halo começando a ficar alaranjado. Aroma intenso, frutado, resinoso, com notas de frutas negras, cereja, ginja, cacau, muitas especiarias. Paladar ainda com taninos nervosos, robusto, ainda jovem. Em estilo que eu chamaria de "inglês", por sua força e longevidade, ótimo para consumo agora mas com muita vida pela frente. Nota: 92 pontos
Cálem Porto Colheita 1996
De cor aloirada mais clara, de média intensidade, ainda com reflexos rubi. Nariz excelente, já com boa complexidade, mas nota-se que ainda não está em seu auge, com notas de frutos secos, resinas, balsâmicos, cedro, tabaco, passas. Paladar macio, doçura média e muito bem integrada ao conjunto, longo e delicioso. Nota: 91 pontos
Kopke Porto Colheita Branco 2003
Feito com mistura das uvas brancas do Douro, pisadas em lagares (pisa mecanica), maceradas com suas cascas. Cor aloirada, como um tawny tinto mais velho, quase âmbar. Aroma mais etéreo, tímido ainda, com notas de frutas frescas, frutas secas, nozes, avelãs, baunilha, álcool aparecendo um pouco. Paladar meio doce, longo, como todo bom porto, acidez muito boa para um 2003 (um ano quente). Ainda novo, precisa de tempo para integrar-se. Nota: 89 pontos
Kopke Porto Colheita 2003
Cor de ruby, granada com reflexos violáceos. Aroma ainda frutado, com notas de compotas, passas, especiarias. Paladar meio doce, macio, com ótimo frescor. Ainda jovem, precisa de tempo de garrafa para se abrir e integrar-se. Nota: 88 pontos
Cálem Porto Colheita 2003
Cor de tawny novo, alaranjado com reflexos ainda rubi, com tonalidade ainda escura. Nariz ainda um pouco fechado, ainda jovem, com notas de madeira, avelãs, passas, mel. Paladar jovial, com bons taninos e acidez presentes, frutado, ainda precisa de tempo de garrafa. Nota: 86 pontos
Cálem Porto LBV 2009
Feito em lagares de inox, com pisa mecânica e estágio em balseiros, filtrado. Retinto, cor de vintage, com a força típica dos Cálem na cor e nos taninos. Aroma um pouco fechado, vincado, com notas de esteva, chocolate amargo, frutos negros. Paladar encorpado, meio doce, muita fruta na boca, taninos doces ainda aparecem. Nota: 90 pontos
Barros Porto Very Old Dry White
Este foi provado direto da barrica e tem idade aproximada de 40-45 anos. É quase totalmente seco, com notas de caramelo, amêndoa torrada, notas salgadas. Sente-se a aguardente no nariz (o açúcar,que aqui está ausente, ajuda a integrar a aguardente, dá mais densidade e ajuda a segurar o álcool para que ele evapore menos). Paladar estruturado por grande acidez, taninos presentes, muito longo, com leve e agradável amargor no fim de boca. Perfil bastante diferente, a surpresa da prova. Nota: 93 pontos
Burmester Porto Tawny 40 anos Branco
Uma potência na boca, com grande acidez, elevada, mel, especiarias, casca de laranja, denso no nariz e boca, intenso no nariz, com mel, casca de laranja, mas também imensas especiarias, resinas. Nota: 96 pontos
Burmester Porto Tawny Tordiz mais de 40 anos
Este é um dos vinhos mais premiados da Burmester, feito com uvas dos vales dos rios Torto e Mendiz, daí o nome Tordiz. Cor idêntica ao 20 anos tinto só ligeiramente mais claro, com muitas notas de evolução, agradável toque de vinagrinho que lhe dá complexidade, cacau, textura aveludada. O que chama a atenção neste vinho é a extrema complexidade e elegância, não a potência. Espetacular. Nota: 97 pontos
Burmester Porto Tawny 20 anos Branco
Linda cor âmbar com reflexos rubi, quase cor de tawny tinto. Aroma de mel, especiarias, casca de laranja, creme brulé. Paladar meio doce, longo, fresco e cremoso. Nota: 92 pontos
Burmester Porto Tawny 20 anos
Cor granada-alaranjado entre claro e escuro, com extremidades em tons de âmbar claro. Aroma intenso, mais aberto que o branco da mesma idade, mais complexo, elegante, com notas de figo seco, passas, madeiras, mel. Paladar de grande finesse, meio doce, textura muito macia, longo. Nota: 92 pontos
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